Fora da caridade não há salvação.
Mas é preciso entender o que é
caridade. Na última sessão que tivemos na nossa Matriz, o Caboclo Sete Estrelas
nos disse: “caridade não é você dar o que sobra, mas compartilhar o que tem.
Quando você dá o que sobra, você está dando um fim para aquilo não lhe faz
falta.”
Outro ponto que o Caboclo frisou
é na questão do tempo dedicado à caridade. “Há filhos que se dispõem do seu
tempo para estarem no terreiro praticando a caridade. Outros filhos só vem ao
terreiro se não tiver nada programado.” Nesse caso, segundo o Caboclo, não está
dedicando seu tempo à caridade, está preenchendo aquele último espaço de tempo
que sobrou com alguma coisa. Do tipo “vou ali no terreiro sarava um pouquinho,
já que não surgiu nada para fazer.”
E é uma triste verdade. O médium de
Umbanda é muito mal acostumado a não comparecer no terreiro. Ou só lembrar
quando as coisas apertam.
Caboclo Mirim sempre nos alerta
que, quando ingressamos em um trabalho espiritual num terreiro, passamos por
três estágios.
O primeiro estágio é o da
empolgação. O médium vê o terreiro todo bonito, vários irmãos trabalhando com
seus Caboclos, Pretos Velhos, Ibejadas, todos girando no terreiro... Pede logo
para entrar, veste o branco e vai todo alegre. Muitos achando que tudo será um
mar de rosas, que todos os problemas serão resolvidos, agora que ele é “oficialmente
do santo”.
Já houve médium que com um mês de
Casa chegou para mim e disse: “Quero ser um CCT que nem você.” Eu disse de
volta: “Não peça isso! Mas se essa for sua missão, peça que seus guias te
preparem, te deem paciência, sabedoria, disciplina e, principalmente...
perseverança.”
Infelizmente médiuns assim, na
mesma empolgação que se vêm tão rápido se vão, porque não buscam preparo para a
segunda fase do trabalho mediúnico.
O segundo estágio é do desânimo.
O médium começa a ver que precisa se comprometer com a Casa, que precisa se
doar, precisa estudar a doutrina, precisa compartilhar as tarefas com seus
irmãos, precisa entender as reais necessidades do terreiro naquele trabalho
específico para melhor atende-las. A partir daí, os seus problemas começam a
falar mais alto: financeiros, familiares, trabalho, tempo, tempo, tempo...
E qualquer desculpa vira uma
bengala para o médium não estar presente: calor, frio, chuva, trânsito,
trabalho, dor de cabeça, dor de garganta, dor de barriga, dor no pé, briga com
pai, briga com mãe, briga com marido, briga no trânsito... Enfim, o médium vai
ficando tão acostumado a faltar o terreiro, que ele vê isso como algo normal,
num perigoso ciclo de auto boicote ao seu próprio trabalho mediúnico.
Uma coisa é certa. Para um bom
desenvolvimento espiritual, precisamos de duas coisas: estudo teórico e
atividade prática. E isso só se faz dentro do terreiro. O médium que permanece
muito tempo afastado do terreiro, por mais que sinta falta, vai se permitindo
ficar nessa condição. Em resumo, ele fica de fora, vai ficando cada vez mais de
fora, e quando se vê ele já está fora. Alguns chegam a ser injustos, dizendo
que não foi acolhido pelo dirigente, ou ainda que a Casa lhe “virou as costas”.
E aí, o médium cai nos perigos do ego ferido, passa a dar ouvidos a pessoas tão desorientadas quanto eles, alimentando uma revolta sem causa alguma. Há ainda aqueles que caem no perigoso jogo do afastamento pela entidade, alegando que sua entidade o tirou de lá. Esse pode estar dando ouvidos a espíritos mistificadores, e por estar tão afastado da sintonia da corrente mediúnica e cego pelos seus próprios sentimentos pequenos, não consegue distinguir o que é da sua entidade e o que não é da sua entidade. Muitos acabam se revoltando até com a própria Umbanda.
Ora, meus irmãos. Não dá para
acolher quem não comparece. Uma coisa é certa: TODOS NÓS TEMOS PROBLEMAS. O que
vai definir a gravidade do seu problema é o tamanho da gravidade que você dá
para ele. Vejam o exemplo dos atletas paralímpicos. Pessoas que superam reais
dificuldades, muitas vezes com acessos restritos num mundo em que ser diferente
ainda não é normal.
E quando o médium tem a
consciência de que ele é o único capaz de superar suas próprias provações,
seguindo adiante ele passa para o terceiro estágio, que é o da confirmação. É
quando ele tem a consciência de que na Espiritualidade nada é imposto. Tudo tem
o peso do livre arbítrio. Então se ele escolheu praticar a caridade e
desenvolver sua mediunidade num templo religioso, deve se dedicar a essa
missão. Para receber é preciso se doar. Na vida, nada vem se não for por
merecimento.
Mas quando estamos cientes de que
a caminhada, apesar de difícil, é prazerosa e muito nos ensina, damos um grande passo
em nosso desenvolvimento espiritual. E recebemos muitas graças da Providência
Divina. Você pode até não enxergar isso agora. Mas com certeza o tempo lhe dirá
e lhe mostrará pela sua obra o caminho que você trilhou.
E se, mesmo após o terceiro
estágio, você sentir alguma recaída (afinal, somos humanos), procure o seu
dirigente (aqui na SEFA procure o seu Morubixaba ou o Tupixaba), peça
ajuda, um conselho, uma palavra. Tenho certeza de que ele buscará, junto com
você, ajudar a vencer as dificuldades. Mas lembre-se também que seu dirigente também é um ser humano, também tem os seus problemas e também precisa ser ajudado.
Para finalizar ressalto sempre as
palavras de Pai Anastácio: “O Terreiro é o abrigo onde o filho de fé encontra
proteção no meio das tempestades da vida”.
Vamos refletir sobre o queremos de nós mesmos dentro da nossa religião. Pois assim como esperamos algo da Espiritualidade, a Espiritualidade igualmente espera algo de nós.
Meu saravá fraterno.
CCT Cristiano Queiroz
Tupixaba da SEFA